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quarta-feira, janeiro 28, 2009

TRÊS PONTOS DE VISTA

José Lins do Rego, mais conhecido como Caiçara (aqui cabe uma explicação, sim, ele se chama José Lins do Rego porque seu pai adorou um livro deste escritor, chamado “Riacho Doce”, Caiçara foi um codinome atribuído a José Lins do Rego, a personagem, pela sua naturalidade, a região litorânea de São Paulo), acordou cedo neste dia, 5:40 da manhã, não era seu horário normal, na verdade costumava acordar às 6:00, mas hoje não quis ficar mais tempo na cama, assim teria tempo para arrumar algumas coisas, organizar os seus sapatos, teria tempo de escolher uma roupa, coisa que há muito não acontecia, pegava a primeira que aparecia, então cerca de 6:20, Caiçara estava se encaminhando para o seu ponto de ônibus, que o levava ao seu serviço, a distancia entre sua casa e o seu emprego eram aproximadamente 40 minutos, quando atravessou uma rua que dava para o ponto de ônibus, notou um pequeno aglomerado de pessoas em volta de dois carros destruídos por uma violenta batida; abdicou de parar e saber o que estava havendo, apenas olhou de soslaio, afinal o ônibus passaria as 6 e meia. Não demorou muito para Caiçara notar que hoje, seu dia seria diferente, pois o ônibus não aparecera e já eram 10 para as sete da manhã, as sete e cinco aparece o ônibus, com outro motorista, não era o Lúcio Flávio, o sempre pontual Lúcio Flávio:
- O que houve com o Lúcio Flávio?
- Hoje ele não pode vir, teve um problema familiar.
- É mesmo?
- Sim.
- Sabe algum detalhe?
- Infelizmente, não.
- Talvez amanhã, ele possa me explicar o que houve.
- Acho que isto não será possível.
- Porque diz isto?
- Ele foi dispensado esta manhã.
- Sério, mas isto não me parece muito justo, todos temos problemas com a família.
- Mas ele andou abusando e disse muitos palavrões para o nosso chefe, este, por óbvio, não agüentou a falta de respeito.
- Fazer o que né, a vida é cheia de surpresas.
Caiçara ficou encucado com esta história, mas havia coisas mais importantes para ele se preocupar, iria chegar atrasado, seu chefe era um sujeito difícil de entender, às vezes chegava feliz da vida, brincalhão, sorridente e sem nenhum sinal de estresse, outros dias fazia cara de quem poderia ser um homem-bomba e destruir todos a seu redor, era óbvio que Caiçara não sabia, em que tipo de dia ele pegaria o seu chefe, imaginou que fosse receber um sermão por ter chegado atrasado, justo hoje que havia acordado mais cedo, ninguém iria acreditar, na sua história.
Mais tarde, Caiçara chega ao escritório 7:50, seu chefe não estava, ufa, seria uma preocupação a menos, não fosse o maldito relógio-ponto; ele não teria que explicar de imediato o que houve, mais teria que pedir ao chefe para abonar aqueles minutos, senão perderia algumas vantagens cruciais em seu salário. Neste dia o chefe Eduardo Costa Ribeiro chegou às 10 horas da manhã, com cara de poucos amigos, Caiçara percebendo a confusão que iria se meter deixou o tempo passar e logo após o almoço foi conversar com Eduardo, chega à sala do chefe e vê as costas de um homem se retirando da sala que lhe parece conhecido, mas não se lembra de quem se trata:
- O que você quer Caiçara? Eu estou ocupado.
- Sei que o senhor está ocupado, mas o que tenho para lhe pedir é muito simples.
- Não estou muito afim de ouvir pedidos hoje, Caiçara, se você soubesse como foi o meu dia, teria evitado conversar comigo, aliás toma o teu rumo e aproveita que eu tô calmo.
- Desculpe importuná-lo chefe.
Caiçara foi para casa em entender o que houve com o seu chefe, não obstante a preocupação em relação as suas vantagens que seriam perdidas, Caiçara sabiamente, deixou para resolver seus problemas outro dia e lógico foi prontamente atendido ao buscar um dia de bom humor do seu chefe, que segundo ele teria alcançado um milagre nesta oportunidade, por isto abonou o dia sem pestanejar....

Lúcio Flávio acordou esta manhã as 4 e meia como era de costume, saía de casa às 6 horas e conduziria o seu ônibus na sua primeira viagem as 7 horas. Quando já estava em seu serviço, cerca de 6 e meia, recebeu uma ligação em seu celular:
- Alô.
- Lúcio?
- Oi, minha querida, algum problema?
- Sim, Lúcio, venha para cá, imediatamente!
- Para cá, para onde?
- Na Rua Conselheiro Albuquerque.
- A rua da casa da minha irmã?
- Sim houve um acidente eu preciso de você agora.
Lúcio Flávio desligou o telefone e saiu apressado em direção a saída, no caminho encontrou Euclides, seu chefe:
- Onde pensa que vai, Lúcio?
- Chefe, aconteceu alguma coisa com a minha irmã, eu preciso ir para lá, eu pago as horas depois, pago alguém para fazer a minha linha, mas eu preciso ir, dá licença.
- Obviamente, você não está se lembrando de com quem está falando, não é Lúcio, eu quero que você volte para o ônibus e faça a linha hoje, eu não tenho ninguém para substituí-lo.
- Euclides, você não está me ouvindo, a minha irmã está com problemas, eu tenho que ajudá-la.
- Lúcio, volta para o ônibus agora!
Lúcio solta vários impropérios e sai pisando forte:
- Se você sair por esta porta, não precisa voltar, Lúcio!
Novos impropérios são proferidos e Lúcio abandona o recinto. Ao chegar ao local, Lúcio descobre que sua irmã está presa às ferragens enquanto os bombeiro tentam retirá-la do carro; ele vê um sujeito apressado passar e olhar para o acidente interessado, mas sem tempo para acompanhar o que houve. Muito trabalho depois, os bombeiros conseguem resgatar Vitória a irmã de Lúcio. Vão para o hospital, e lá ele recebe a notícia trágica, o acidente afetou a coluna de Vitória e a deixará paralítica:
- Que desgraça se abateu sobre a nossa família Sônia. O que vai ser da minha irmã agora?
- Lúcio, se é que há alguma coisa boa neste acidente quem a atropelou foi o meu irmão.
- O seu irmão, e como isto pode ser bom?
- Ele é um empresário e pode pagar as custas do hospital, e os médicos farão todo o possível para que ela volte a andar.
- Isto só parece bom, mas se ele tivesse mais cuidado ela ainda estaria andando. Mas eu ainda não te contei o pior, hoje eu fui despedido por ter vindo ajudar a minha irmã, acredita nisto.
- Usando as mesma comparação, isto só parece ruim, vou ligar para meu irmão para ele arrumar um emprego para você na empresa dele, afinal para que servem os familiares e depois, ele não se negaria a fazer um favor para mim.
- E se eu não aceitar?
- Não é hora de ter orgulho Lúcio, temos coisas mais importantes para resolver.
Depois:
- Ele disse para você pode passar lá mais tarde.
...
Eduardo acorda 5 e meia da manhã:
- Puxa vida, porque será que eu tenho que acordar tão cedo para ir trabalhar numa empresa da qual sou dono.
Este foi o primeiro pensamento do dia de Eduardo, levantou-se, foi tomar banho mas a água havia acabado, o dia não havia começado bem, na noite anterior havia saído para um happy-hour, tinha ficado até mais tarde e bebeu muito whisky, portanto estava com sono, com dor de cabeça da ressaca e agora para ajudar estava fedendo, tentou disfarçar o odor do whisky com desodorante e spray para a boca, aos sair de casa verificou que estava sem gasolina, isto iria atrasá-lo para o escritório, ele costumava chegar antes de todos, obviamente hoje não seria um desses dias. Chegou ao posto, um frentista estava conversando com o outro sobre os resultados do futebol no domingo e não notou a sua presença, já nervoso com tantos contratempos, meteu a mão na buzina e xingou o frentista, dizendo que se não quisesse trabalhar que havia muitas pessoas querendo; o frentista, com muito bom humor, disse:
- O seu time deve ter perdido este final de semana.
- Como adivinhou?
- É um dos motivos que levam os meus clientes a ficarem nervosos.
Passado o problema com o posto, Eduardo que já tinha passado por tudo isto, disse que agora o seu dia seria diferente, enquanto pensava se distraiu e passou o sinal vermelho, pegou um Voyage de lado, o air bag foi acionado e ele perdeu os sentidos por alguns minutos, logo foi despertado por um policial, conseguiu sair do carro e viu aquela figura conhecida era a irmã do seu cunhado, o policial insistiu para que fizesse o teste do bafômetro, não tendo como negar, o fez e obviamente foi constatada a presença de álcool, aquele do happy-hour da noite anterior, seu carro e sua carteira foram apreendidos, Eduardo foi levado a delegacia, prestou depoimento e foi liberado, pois apareceu um advogado que ele havia solicitado, depois ligou para sua irmã Sônia e disse para ela tomar conta do caso e que ele pagaria tudo o que fosse preciso. Ao chegar a companhia, às 10 horas, cabisbaixo e com cara de poucos amigos, poucos tiveram a coragem de importuná-lo, logo recebe uma ligação, é Sônia:
- Eduardo, como vai?
- Oi, Sônia e aí, como estão as coisas no hospital?
- Tenho uma péssima notícia, a Vitória vai ficar paraplégica.
- Meu Deus e é tudo culpa minha, que que eu fiz para merecer isto?
- Para de se culpar e tente se redimir de outra forma.
- Como?
- O Lúcio Flávio perdeu o emprego hoje, porque veio ajudar a irmã dele aqui no hospital, eu quero que você o posicione em um dos cargos da sua empresa.
- Tudo bem o que você quiser, talvez assim, eu consiga purgar um pouco deste mal estar do qual fui acometido.
Mais tarde Lúcio Flávio está na sala de Eduardo, que com uma cara de culpado e totalmente sem jeito pergunta:
- Que tipo de emprego gostaria de ter na minha companhia?
- Bom, eu era motorista de ônibus, acho que se você puder me arruma uma ocupação destas para mim já estaria bom, mas onde você estava coma cabeça, furar sinal vermelho, dirigir bêbado, você quase matou a minha irmã, você é maluco rapaz?
- Olha, eu sei que eu mereço tudo o que você disse, mas o que está feito, está feito, tudo o que eu posso fazer é remediar a situação, ela terá os melhores médicos que eu puder pagar e eu farei de tudo para diminuir a sua dor, pegue este papel e escreva o valor que você quer ganhar de salário e comece a amanhã a trabalhar na entrega de mercadorias.
- Obrigado pelo emprego, mas não pense que isto terminou, ainda temos contas a ajustar.
Diz isto e joga o papel na mesa de Eduardo.
Lúcio Flávio sai da sala e Eduardo percebe a presença de Caiçara:
- O que você quer Caiçara? Eu estou ocupado.
- Sei que o senhor está ocupado, mas o que eu tenho para lhe pedir é muito simples.
- Não estou muito afim de ouvir pedidos hoje, Caiçara, se você soubesse como foi o meu dia, teria evitado conversar comigo, aliás toma o teu rumo e aproveita que eu tô calmo.
- Desculpe importuná-lo chefe.
Caiçara deixa a sala, Eduardo abre o papel e vê escrito “Quero minha irmã, andando de novo”.